Nesse fim de semana, assisti a dois videos que são parte de uma trilogia (não consegui achar na internet o terceiro) chamada "The Human Language Series".
As duas primeiras partes estão disponíveis no Youtube:
Os videos foram bem mais "profundos" do que eu esperava, e foram legais porque usaram como referência várias coisas sobre as quais eu tenho lido ultimamente num certo livro (Fromkin et al., An Introduction to Language, 9th edition [isso deve ser suficiente para achá-lo xP]) e nos artigos que eventualmente acabo achando aleatoriamente.
Eu achei que fazia sentido fazer alguns comentários. Para referenciar alguma parte dos videos, usarei o formato "[parte.minutos]". Assim, por exemplo, "[1.10]" significa "Parte 1, aos 10minutos". Quando eu quiser ser mais específico, usarei mais um ponto para denotar os segundos. Por exemplo "[1.10.30]" significará "Parte 1, aos 10minutos e 30 segundos". Comecemos então...
Em [1.10], mais ou menos, se fala sobre "o que é uma palavra", e o video começa a discutir sobre como a criança aprende que, por exemplo, "árvore" é "aquela coisa grande que fica do lado de fora da casa" e que essa palavra pode ser usada para todas as árvores (e não somente para aquela em específico). Se discute também sobre como a criança aprende a "separar" palavras numa frase. Isso é interessante para mim porque o meu TCC foi relacionado a expressões multipalavras e porque através dos tempos eu acabei descobrindo que às vezes alguns conjuntos de palavras ficam tão unidos um ao outro que acabam se tornando uma palavra só.
Quer exemplo?
[na real, eu não tenho nenhuma certeza do que vou dizer agora -- apesar de me parecer que a Wikipedia está a meu favor] As nossas conjugações de futuro! Antes, era possível em português dizer coisas como
hei de comer algo. Alternativamente, se podia inverter o
hei de comer e dizer
comer hei algo. Não precisa ser gênio pra perceber que com o tempo o
comer hei virou
comerei, que o
comer hás virou
comerás, e assim por diante. Para o leitor astuto que percebeu que a regra não funciona com os plurais
havemos e
haveis, basta dizer que eles eram muito mais usados numa forma alternativa
hemos e
heis (que, aliás, estão presentes no espanhol). O motivo dos dois terem virado uma palavra só? Uma reforma ortográfica! A reforma ortográfica fez com que as crianças passassem a aprender essas construções (antes "perifrásicas" -- ou seja, que usavam "perífrases", i.e., "palavrinhas", no caso, o
hei) como se fossem uma coisa só -- e então passassem a pensar assim.
Por causa disso é que eu ficaria tri feliz se hoje se fizesse uma nova reforma através da qual o verbo
ir, quando marcador de futuro (como em
eu vou fazer,
eu vou comer, ...), virasse parte do verbo principal (i.e.,
eu vofazer,
eu vocomer). Também seria a favor da idéia de transformar a construção
deixa eu em
xo e fazê-la ser parte do verbo principal:
deixa eu dar uma olhada viraria
xodar uma olhada, por exemplo.
Voltando aos videos... em [1.17] se pergunta:
Existem conceitos que nós não inventamos porque nascemos já os sabendo?. Apesar de eu não gostar da idéia bizarra de que tenhamos um "órgão" separado para a língua, eu acho que cada vez mais concordo com a idéia de que, sim, já nasçamos sabendo algumas coisas (ou pelo menos nasçamos com uma forte tendência a seguir alguns caminhos em vez de outros). O grande argumento é bastante evolucionista: todos os animais nascem com alguns "instintos". Por que conosco deveria ser diferente?
Alguns minutos adiante [1.21], um cara começa a falar sobre o grande número de possíveis sentenças que poderíamos construir se tivéssemos um vocabulário de apenas 10 palavras. O argumento dele é meio falacioso (convenhamos que as regras que regem as nossas frases cortam affuuuu a possibilidade de tantas sentenças diferentes -- alguns verbos exigem preposições, alguns pronomes exigem algumas flexões específicas dos verbos, ...), mas me remeteu novamente ao que eu aprendi durante meu TCC: apesar da grande quantidade de palavras que sabemos, algumas construções vêm normalmente "prontas" nas nossas cabeças, e usá-las normalmente funciona como "bengalas lingüísticas", i.e., nos dá "conforto" pra usar esse tempo em que as estamos proferindo para pensar naquilo que vem adiante. Assim, expressões como
quem me dera não somente são fixas (ninguém diz
quem lhe dera, desejando o bem a outrem) como também demoram o suficiente para que possamos já ir pensando em como dizer o que vai vir logo na frente.
Para terminar com o primeiro video, eu acho que tem um quote que é o mais interessante dele inteiro:
Now... nobody speaks a "primitive language". All languages are extremely sophisticated.
Agora... ninguém fala uma "língua primitiva". Todas as línguas são extremamente sofisticadas. (tradução minha, livre)
O segundo video diz (em algum momento -- não consegui achar =/ ) que essa "descoberta" foi feita por um cara chamado
Chaussure, um dos "pais da lingüística moderna". Mas eu ainda não li direito sobre ele... então não tenho muito o que dizer =/
Indo para o segundo video, acho que a primeira parte que me interessa está lá pelos [2.17]. Eles falam sobre como
analogias "não funcionam" para explicar a aquisição de linguagem por crianças, dando um clássico exemplo (estou chamando de clássico porque foi justamente o mesmo exemplo que o livro que estou lendo deu) sobre como uma certa construção em inglês funciona com um verbo e não funciona com outro. Eu
acho (minha opinião) que essa conclusão é meio arbitrária: ela só mostra que há casos em que as analogias não funcionam, e que a criança precisa, normalmente, além de aprender as analogias, aprender (decorar mesmo!) em quais verbos elas funcionam e em quais verbos elas não funcionam. Afinal, claramente, é por analogias que crianças que ainda estão aprendendo as formas irregulares dos verbos concluem que o pretérito perfeito do verbo
trazer é
trazi, em vez de
trouxe, ou que o pretérito perfeito do verbo
fazer é
fazi, em vez de
fiz.
Por outro lado, aos [2.31] eles falam que as crianças não testam todas as possibilidades (eles são
biased learners, i.e.,
aprendedores enviezados, numa tradução literal xP) na hora de aprender as regras de uma língua, mas só testam algumas coisas que
fazem sentido para todos os seres humanos. Isso é um bom argumento de que realmente crianças talvez tenham uma capacidade "inata" de aprender língua. Reforçando esse argumento, lá por [2.50] se comenta que há erros que crianças nunca cometem... e talvez isso seja um bom argumento "contra" as analogias (i.e., talvez não seja só por analogias que as crianças aprendam, mas também por terem
inatas algumas regras).
Lá pelos [2.45] se começa a dizer que
todas as línguas têm um monte de coisas: verbos, substantivos, marcadores de pergunta, plurais, etc. Eu acho meio "forte" fazer essas declarações sem se conhecer realmente todas as línguas; mas isso é algo em que hoje se acredita e que contribui bastante para a força do argumento de que talvez a língua seja algo inato ao ser humano.
Enfim... um dos assuntos que mais me interessam hoje é justamente a aquisição de linguagem. Achei que fazia sentido fazer esses comentários. Tomara que tenha sido útil pra alguém =)
R$