18 de abr. de 2012

Em Kaiserslautern #5 -- Nazi-chuveiro...

De todas as coisas daqui de Kaiserslautern das quais eu não gosto, somente uma até agora conseguiu me tirar do sério.

Eu posso me incomodar com a freqüência com que se come batata-frita nos almoços, e pode não me agradar o fato de os supermercados não aceitarem cartão de crédito (e nem de débito), normalmente. Eu posso não gostar do fato de que a minha cortina mal me protege contra a tremenda iluminação diária no início da manhã, e também posso ficar até meio aturdido com a idéia de que todos os moradores da Alemanha que tenham algum acesso à "mídia" tenham de pagar imposto por isso (a menos que digam que não têm nada em sua casa -- já que os trabalhadores da empresa que dá conta disso não podem entrar nas suas casas para verificarem qualquer coisa). Os dias podem ser muito longos no verão (o que eu acho ruim) e os alemães em geral podem ser bem inflexíveis com horários; mas UMA coisa tem me deixado TOTALMENTE fora do sério e não tem relação com qualquer uma das coisas acima citadas: o meu chuveiro.

Eu moro no quarto andar do meu prédio e é aceitavelmente esperado que a força da água não seja das melhores. Paradoxalmente, ela é! Mas só às vezes! E é aqui que mora o problema: freqüentemente, a água simplesmente vai perdendo força, perdendo força, perdendo força, até o ponto em que não haja mais água suficiente para que um certo pininho do chuveiro se mantenha ativado e então a água pare. Sério... desmotivante! Se eu não posso reclamar do frio -- o meu banheiro é sempre quentinho, graças à maravilhosa calefação --, eu não tenho como não reclamar do chuveiro. Logo, ela volta (eu fico segurando o pininho pra ele não cair e a água continuar saindo enquanto ela tá fraca), depois de uns 40segundos, e o banho volta ao normal... não fosse por um outro problema:

A água também esfria! Às vezes, do nada, ela está normal, na temperatura perfeita, e, quando vejo, de repente, ela está fria! Completamente fria! Por causa disso, minha reação imediata (contra a qual aprendi a lutar) é movimentar o registro um pouco para a esquerda (o registro da água é uma alavanca: para a esquerda fazemos a água esquentar e para a direita fazemos a água esfriar) e esperar até que a água passe a esquentar. Aprendi a lutar contra essa reação porque, alguns segundos depois, quando a água quer "voltar à sua temperatura normal", ela está muito quente, porque o maldito registro foi movimentado para a esquerda. Se isso ocorresse com freqüência aceitável, uma vez a cada 5minutos, por exemplo, seria o menor dos meus problemas. Mas isso ocorre o tempo todo! O TEMPO TODO!

Minha teoria: eu tenho, por algum motivo (alguém tem que ter, afinal), literalmente, a menor prioridade sobre a água quente em todo o meu prédio. E também tenho uma das menores prioridades sobre a água. Quando os meus vizinhos começam a usar sua água quente pra o que quer que queiram fazer com sua água quente, eu fico sem a minha água quente. Por que eu tenho a menor prioridade? Sei lá! Acaso! Por que eu acho que isso não ocorre com todos: porque eu já perguntei aos outros brasileiros que moram também no último andar, e nenhum deles relatou problema parecido. Aliás, por muito acaso, os chuveiros deles não são estranhos, com alavanca, o que me leva a crer na possibilidade de o cara que estava aqui antes -- que quebrou a porta (motivo pelo qual eu tenho a única porta diferente, que abre por fora, do prédio inteiro) -- também talvez tenha sutilmente quebrado o registro do chuveiro durante a sua estadia (talvez pelos mesmos motivos que me levam a escrever nesse blog no momento).

Mesmo assim, é verdade que eu passo bem menos trabalho do que se estivesse no inverno brasileiro: apesar de chuveiro chato (o que eu tinha no Brasil sempre foi ótimo), não se sente nunca frio nenhum [e essa frase é para aqueles que adoram as duplas negações do Português], mesmo quando a temperatura lá fora está abaixo do 0.

Uma última reclamação: putz... que ralo bem fiadapu! O ralo é pequenininho, e facilmente entopível. Mais uma coisa com que me enervar T___T

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14 de abr. de 2012

Nas noites de Abril...

Desde que aprendi, há alguns dias, a palavra "Heimweh", no alemão, que significa algo como "saudade de casa" (ou falta de casa), andei matutando uma coisa: por que raio de motivo é a palavra saudade tão difícil de ser traduzida (na opinião de uns certos pesquisadores britânicos).

Saudade (1899), por Almeida Júnior.
(fonte: Wikipedia)

Fui à wikipedia, e achei uma definição horrorosa da palavra, tanto em português, quanto em inglês. Explicação contradizente ou não conclusiva era o que mais havia por lá -- inclusive na página de discussão. Fiquei pensando nos possíveis diferentes significados e tentando encontrar casos nos quais a palavra tem sentido totalmente diferente daqueles a que estamos acostumados.

Inicialmente, eu sempre achava que a palavra saudade, como substantivo, poderia facilmente ser traduzida como "o substantivo relacionado ao verbo 'miss', do inglês". A gente diz "to com saudades da minha mãe", e a tradução parece óbvia: "I miss my mother". Apesar disso, eu sempre tive aquela noção de que a palavra saudade tem um sentido mais emocional: quando criança, eu gostava de diferenciar "saudade" de "falta por necessidade".

Passado algum tempo, encontrei a palavra "Yearning". Pelo que entendi, ela é uma "falta" forte e profunda de algo. Mas a questão é que essa palavra parece ser uma falta não necessariamente melancólica por algo que se tinha e que se perdeu, ou que se gostaria de ter (ou ver): uma pessoa pode ter "yearning for justice", por exemplo.

Um sentido, especialmente, também me impressiona na nossa palavra: a saudade de algo futuro. Eu não sei o quão certo é o uso desse sentido, mas ele é bastante freqüente no cristianismo do século passado. Expressões como "Saudade de Sião" ou "Saudades da Jerusalém Celestial" -- coisa que eu não vi, mas que anseio "conquistar", e que de certa forma conheço -- aparecem bastante nos nossos cancioneiros. Aliás, a gente também gosta de dizer que tem saudades de Jesus, e isso não é nenhuma "falta", e dificilmente seria traduzível como "miss" (apesar de eu não fazer idéia de o quanto isso seria traduzível como "yearning").

Finalmente, concluo o inútil, i.e., que não sei. Seria legal perguntar a algum nativo de ambas as línguas o que ele acharia. É engraçado porque, acho eu, por eu pouco dizer que tenho saudades de algo[uém] -- é realmente raro! -- eu tenho a impressão às vezes de eu não sei bem exatamente o sentido dessa palavra.

A única coisa que sei é a seguinte: uma saudade a mim muito agrada, a saber:



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6 de abr. de 2012

Uma longa conversa sobre casos gramaticais...

Como eu creio já ter comentado, tenho tido aulas de alemão. As aulas são ministradas por duas professora: a Oksana, uma russa, muitíssimo divertida (e absurdamente didática!) e a Nino, uma Georgiana (que, aliás, também fala russo) que, se não dá as melhores aulas do mundo, é fácil notar que ela sim tem bastante boa vontade para com os alunos.

Esses dias, após o intervalo, estávamos comentando sobre as diferenças entre as línguas das diversas nacionalidades das quais a nossa turma tem representantes: chinês, árabe, persa (tem um libanês que acho que fala árabe; e os dois iranianos pelo que entendi falam persa e entendem um pouco de árabe, já que árabe é a o latim do islam: a língua da religião que todos devem aprender), português, espanhol (temos um colega colombiano), francês, romeno e, é claro, russo (a Oksana é que estava em aula). Perguntou-se se o russo seria uma língua difícil, no que a professora respondeu que certamente é mais difícil que o alemão. Me interessei: não pela dificuldade, mas pelos motivos pelos quais ela seria assim. A professora comentou que haveria mais casos gramaticais além dos 4 populares do alemão, a saber, Nominativo, Acusativo, Dativo e Genitivo. Perguntei quais casos seriam, mas por não ter a tradução correta para o alemão, a professora chutou um tal de Vocativo.

(pera pera... se o leitor não estiver entendendo nada dessas palavras com "ivo" no fim, por favor, tenha paciência, elas serão explicadas)

Ei ei, pera aí! Vocativo existe no português, não é? Sim, respondo ao duvidoso leitor: como resultado, ao término da aula vim à Wikipedia fazer uma pequena pesquisa. Quem diria: o português também tem vários casos gramáticais (e inclusive declinações) das quais a gente nem se dá conta.

Mas o meu interesse ainda eram os casos do russo, no que descobri que eles são seis ao todo: além dos quatro casos da língua alemã, existem os casos Preposicional e Instrumental. Mas e o Vocativo? A wikipedia diz que o russo apresenta alguns casos "adicionais", como o Vocativo e o Locativo (o qual no russo não se diferencia do Preposicional; mas em outras línguas, como no ucraniano, parece que sim).

Após comentar sobre essas descobertas para a professora, me interessei sobre que outras possibilidades poderiam haver no português ou no inglês, e que casos a mais poderia eu encontrar. Descobri MUITA coisa, sobre que talvez o leitor nunca tenha pensado, e que ultimamente me tem feito cagar tijolos diariamente. Essa tal de linguística é muito do foda! Sério!



Por isso, resolvi que faria uma "breve" explicação sobre as descobertas que realizei. A primeira coisa a fazer é explicar o que são os quatro casos que a gente aprende no alemão. É interessante dizer que esses "casos gramaticais", em teoria, não deveriam depender da língua em que são usados (afinal, essa é a idéia da linguística, a saber, ser um estudo sobre as línguas independente da língua em foco). Afinal, os mesmos casos usados no alemão aparecem no latim, e, como já foi mencionado, no russo.

O caso Nominativo é pra mim ao mesmo tempo o mais fácil e um dos mais difícil de explicar. Ele aparece sempre nos sujeitos e nos predicativos do sujeito das frases em alemão, e ficará mais claro assim que eu começar a exemplificar. O Nominativo é o primeiro caso a se aprender, afinal, somente frases com verbos no imperativo (não confunda: imperativo não é um caso gramatical, mas uma possivel "conjugação" dos verbos) permitem que, às vezes, omitamos o sujeito em frases no alemão.

O Acusativo é o segundo a aprendermos na língua alemã. Ele em geral denota, para nós, o objeto direto. Independentemente da língua, o Acusativo deve sempre denotar o "paciente" do verbo, i.e., aquele que sofre a ação.

No português, não fazemos diferença entre o caso Nominativo e o caso Acusativo, e acabamos, portanto, confiando na ordem das palavras (em geral, "Sujeito-Verbo-Objeto" ou "Sujeito-Objeto-Verbo") para extrairmos o sentido real das frases. Frases como as seguintes teriam significado ambíguo, se a ordem fosse desprezada:

O homem mata a cobra.
O homem a cobra mata.

Quem matou quem? No alemão, essas duas frases também podem ter significado ambíguo em casos em que ambos sujeito e objeto são femininos ou neutros. Se algum dos dois é masculino, pode-se verificar o artigo "o" ("der", no nominativo, aka sujeito; e den, no acusativo, aka, objeto direto) para saber quem é o sujeito da história.

Der Mann tötet die Schlange.  <--- o homem é quem mata
Den Mann tötet die Schlange.  <--- a cobra é quem mata

O terceiro caso a ser apresentado é o Dativo, que representa para nós lusófonos o objeto indireto. Em teoria, como o próprio nome diz, ele indica "aquele a quem o 'paciente' da ação é 'dado'". Se no português em geral esse caso é denotado através de uma preposição (queira o leitor verificar os exemplos), no alemão a diferença se dá frequentemente através (novamente) da declinação do pronome (e, também, do artigo) de uma forma diferente:

Eu dou à moça o presente.
Ich gebe der Frau das Geschenk. <---- der agora significa "a", e não mais "o"

Eu dou a ela o presente.
Ich gebe ihr das Geschenk.

(Verde - Nominativo; Vermelho - Dativo; Azul - Acusativo)

(É claro que a ordem comum do português em geral é outra: se no alemão a ordem comum é "Sujeito - Verbo - Dativo - Acusativo", no português utiliza-se normalmente a ordem "Sujeito - Verbo - Acusativo - Dativo".)

Agora vem o primeiro mind blow da postagem: o português também tem uma declinação "Datívica", infelizmente só presente nos pronomes pessoais nas terceiras pessoas do singular e do plural! Se eu substituir, no exemplo anterior, a locução "a ela" pela declinação Dativa do pronome "ele", a frase seria a seguinte:

Eu dou-lhe o presente.

Ou, mais coloquialmente,

Eu lhe dou o presente.

No inglês, o pronome em geral declina, com ou sem preposição (e, aliás, o pronome declina mesmo quando ele estiver no "Acusativo"):

I give her the gift.
I give the gift to her.

Finalmente, o último caso a verificarmos no alemão é o caso Genitivo. Esse é fácil de explicar: em geral, denota posse; mesmo assim, às vezes algumas construções não denotam [totalmente] posse e exigem Genitivo no alemão. No português, apesar de não termos declinações relativas a esse caso, em geral, o "emulamos" através da preposição "de". Vejamos exemplos:

O presente da mulher.
The gift of the woman. / The woman's gift.
Der Geschenk der Frau.

O que acontece no alemão? Em vez de termos uma preposição, como no português ("de"), temos uma declinação do pronome "die" (die Frau, no Nominativo), transformando-o em "der" (der Frau, no Genitivo), e ficamos livres de preposições. Tri né?



Agora que falamos daquilo que é mais importante para o alemão, estamos livres para falar de alguns casos que são bem interessantes e que frequentemente aparecem como casos "especiais" na língua portuguesa. O primeiro deles é o Vocativo. O que é o Vocativo afinal? Pelo que andei vasculhando, o Vocativo é exatamente o Vocativo que temos na nossa língua. [In]Felizmente, assim como no inglês, nós não temos diferença nenhuma entre o nosso caso Vocativo e o nosso caso Nominativo, o que faz com que em geral ele seja descartável e esquecível. A forma de demonstrarmos com quem estamos falando é através de alguma pausa ou maior ênfase na voz.

Talvez resquício de diferença, creio eu (isso é suposição minha), seriam expressões do tipo "Vossa Senhoria", nas quais a palavra "Senhoria" derivaria da palavra "Senhora". No latim, por outro lado, se no Nominativo as palavras terminavam com "us", no Vocativo elas terminavam com "e", e isso tornaria fácil de perceber na fala momentos em que se estivesse falando diretamente com uma pessoa -- aquela que fosse "vocativizada".



Outro caso presente na língua portuguesa -- e também no inglês -- é um tal de caso Oblíquo. Enquanto eu falava de Dativo, o leitor deve ter discordado ao ler que o nosso caso "Dativo" só existe nas terceiras pessoas (afinal, além do "lhe", temos também o "te" e o "me", não é?). Mas pelo que andei Wikipediando, parece que prefere-se dizer que esses pronomes pertencem ao "caso Oblíquo", o qual parece ser uma mistureba entre o caso Acusativo e o caso Dativo.

O que acontece: quando o Acusativo inteiro é substituído por um pronome pessoal, ele declina de um pronome pessoal reto para um pronome pessoal oblíquo átono (te, me, nos, etc).

Ex: O menino chuta a bola.
O menino chuta ela. <---- ERRADO
O menino a chuta. <---- CERTO


Ao substituir o Dativo inteiro por um pronome pessoal, ele declina de um pronome pessoal reto para um pronome pessoal oblíquo tônico (ti, mim, nós, etc).

Ex: O menino entrega o bolo ao homem galante. -- (e eu sou o homem galante)
O menino entrega o bolo a eu. <---- ERRADO
O menino entrega o bolo a mim. <---- CERTO

Frequentemente, ainda, a gente substitui o Dativo por um pronome pessoal oblíquo átono ou o Acusativo por um pronome pessoal oblíquo tônico, e eu não sei se isso é certo ou errado:

O menino chuta a ela.
O menino me entrega o bolo.
O menino mo entrega. (Equivalente a "O menino me o entrega")

Finalmente, existe um caso chamado "Comitativo", que indica que algo é feito com a presença de outrem. Como ele é construído no português: quando o pronome pessoal reto declina para um pronome pessoal oblíquo e a preposição "com" está presente na frase, ela se junta à preposição "com".

Ex: Ele jogou video-game até agora comigo.

(aliás, eu estava me perguntando agora qual dos dois seria o certo:

Eu vou com ele ao mercado.
Eu vou consigo ao mercado.

Digo isso porque eu sempre lembro do video da Anabela de Malhadas com o radialista dizendo "Vai me dar um fanico consigo".)

Obviamente, o significado desse tipo de exemplo pode ser extraído de frases sem a preposição com:

Eu vou junto à minha mãe ao centro da cidade.
Eu vou junto a ela ao centro da cidade.

Também é legal perceber que às vezes o caso Comitativo "degenera" para o caso Instrumental (um caso que indica o que foi utilizado para que algo seja feito):

Foi contigo que eu consegui vencer nesse jogo. (indicando que foi "através" de ti)



Um último comentário sobre a língua: a gente tem uma coisa bem tri que o mano sempre tinha me dito e que agora andou fazendo bem mais sentido. Frequentemente, quando queremos tornar "alguma coisa" em "alguma pessoa", adicionamos o sufixo "em" às palavras, como em "alguém", "outrem" e "quem". Às vezes me pergunto se isso não é algum resquício de algum caso gramatical que não tenhamos mais.

Finalmente, dando uma olhada nos casos que o Latim tem, estou pra dizer que ele tem: Nominativo, Acusativo, Dativo, Genitivo, Locativo, Vocativo e Ablativo.

Não sei o quanto o leitor gostou dessa conversa sobre os casos gramaticais, mas é foda perceber o quanto a nossa língua é cheia de belezas encroadas das quais pouco ou nada conhecemos.

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