Li nos últimos dias o capítulo 4 do livro "As imagens do outro sobre a cultura surda", de uma surda chamada Karin Strobel, que falava (o capítulo) sobre os 8 artefatos culturais do povo surda. Li porque, como acho que os leitores devem saber, tenho feito um curso de LIBRAS na igreja da qual participo.
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Como eu acho que muita gente vai sair dizendo que eu vou para o inferno depois de ler o meu texto, acho melhor afirmar o seguinte antes de continuar:
A palavra "deficiente" aqui não tem o objetivo de soar pejorativa. "Deficiente" é "aquele que tem alguma deficiência", e que isso fique bem claro.
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Como ía dizendo, li o livro porque o livro é usado como parte da matéria sobre cultura surda do curso de LIBRAS que faço (especialmente os capítulos 4 e 5). Já que o texto é escrito por uma surda, é natural que contenha alguns pequenos erros ou "delitos" aceitáveis, que não atrapalharam a leitura como um todo (já que, convenhamos, escrever textos em uma língua que não é a nossa "nativa" é sempre bem mais complicado). Por exemplo, achei bastante esquisito quando, em vez de usar o verbo "haver", muito mais frequente em textos "sérios", encontrava o verbo "ter", como em:
"Tem muitos pesquisadores da história cultural de surdos. Entre eles estão o Antônio Campos de Abreu, formado em História, o Otaviano de Menezes Bastos, o Dioniso Schmitt e a Gisele Rangel. Todos eles possuem um imenso acervo histórico cultural sobre o povo surdo."
Também nesse parágrafo, mas não só nesse parágrafo, achei estranho a autora usar artigo dos nomes das pessoas. Parece que ela os trata como se fosse conhecido de todos os leitores (alguém de quem a gente poderia fazer fofoca, por exemplo u.u).
Mesmo assim, aceitando o seu modo peculiar de escrever, que não é problemático mas simplesmente característico, não posso deixar de expressar a minha tremenda insatisfação e até mesmo uma certa indignação ou revolta com o modo como o texto trata as pessoas (ou sujeitos) surdas e as pessoas ouvintes. Um exemplo: a expressão "repressão ouvintista" é repetida frequentemente, quase como que incutindo a imagem de vilão aos leitores ouvintes (eu) que se acheguem ao texto.
Eu até concordo e aceito que, por ignorância, muitos ouvintes não consigam conversar com os surdos, e inclusive aceito que muitas famílias de ouvintes, ao ter um filho surdo, orientadas por médicos ou não, fazem de tudo para tentar fazer a criança ouvir, tentando tratamentos ou fazendo-os pôr aparelhos auditivos, mas não concordo que isso possa ser considerado "repressão ouvintista". Afinal, não é tão simples, de repente, dizer "aa... ok... ele é surdo... sem problemas...", e aceitar que não haja um jeito de reverter o quadro ou simplesmente não querer fazê-lo. Não é algo que entra facilmente na nossa "cultura". Mas aceitado (eu ía escrever "aceito", mas achei que ficou parecendo que o verbo estava na primeira pessoa do singular, no presente do indicativo) o surdo, é necessário que se deixe algo perfeitamente explícito: o surdo é deficiente SIM!
Achei o máximo os textos que vi em sala de aula dizendo que o surdo não é deficiente, mas que é a sociedade ouvintista que os torna deficiente, e coisas do tipo. Procurei no meio dos slides das aulas uma citação de uma mulher que dizia justamente isso, mas não consegui achar. Vamos e viemos: o surdo é deficiente SIM! Se não é deficiente, então por que é que não paga a passagem dos ônibus? Se não é deficiente, então por que é que pode levar acompanhante nos ônibus pra onde quiser? Se não é deficiente, então por que é que fica exigindo legenda nos filmes? Lamento surdo que não se considera deficiente, mas nem tudo é como a gente pensa.
Novamente, meu objetivo não é oprimir ou humilhar, mas esclarecer a minha opinião. Os surdos precisam, afinal, de uma série de "adaptações" para viver, bem como qualquer deficiente. Aliás... eu também sou deficiente: sou canhoto. Vivo numa sociedade em que a opressão destrista me sufoca, e eu sou necessitado de uma série de adaptações para sobreviver.
Outro caso que me leva a protestar é o seguinte: o livro dá a entender que os surdos são "xenofóbicos" (ou racistas dependendo da interpretação n_n). No texto seguinte, estou certo de que, se as expressões referentes aos "Surdos" ali fossem substituídas por expressões referentes aos "Negros", a autora do livro já estaria atrás das grades há séculos, sem possibilidade de pagamento de fiança:
"Portanto, ser filho de pais surdos é extremamente respeitável no círculo deles, como cita Wrigley (1996, p. 15):
A partir de uma visão dos Surdos, o ato politizado de alegar uma surdez "nativa" - ou seja, uma surdez de nascença - está ligado à identidade positiva de não estar "contaminado" pelo mundo dos que ouvem e suas limitações epistemológicas do som sequencial. A "pureza" do conhecimento dos Surdos, a verdadeira Surdez, que vem da expulsão desta distração é na cultura dos Surdos uma marca de distinção. Seria melhor ainda se os familiares e até mesmo seus pais fossem também Surdos."
Aliás... que limitações mesmo? Lamento senhorita Strobel ou senhor(a) Wrigley, mas na minha visão essas limitações são as mesmas que levaram a raposa a não alcançar as uvas.
Concluindo, é verdade que o povo surdo é uma minoria na nossa sociedade e que, como minoria, não recebe o respeito que deveria receber, sendo esquecida ou ignorada. É verdade também que é interessante que eles lutem por direitos que os ajudem a ter uma maior qualidade de vida. É um absurdo, porém, na minha opinião, dizer que a "sociedade ouvintista" é "opressora" e que ser surdo é algo perfeitamente normal. NÃO É! (Aliás... achei um absurdo descobrir que tem pais surdos que gostariam de ter filhos surdos. O argumento seria de que "ser surdo" seria só uma identidade cultural, e não uma deficiência)
Desculpem-me aqueles que acham que eu vou para o inferno depois de dizer o que eu penso, mas, francamente, o livro praticamente rotula os ouvintes como se fossem vilões O.o ¬¬
Enfim...
R$
Vamos fazer um pequeno exercício mental e tocar 'surdos' por 'brancos' e suas características:
ResponderExcluir"Portanto, ser filho de pais brancos é extremamente respeitável no círculo deles, como cita Wrigley (1996, p. 15):
A partir de uma visão dos Brancos, o ato politizado de alegar uma branquice "nativa" - ou seja, uma branquice de nascença - está ligado à identidade positiva de não estar "contaminado" pelo mundo dos 'de outras raças' e suas limitações 'específicas relativas a sua etnia'. A "pureza" do conhecimento dos Brancos, a verdadeira Branquice, que vem da expulsão deste 'inconveniente miscigenatório' é na cultura dos Brancos uma marca de distinção. Seria melhor ainda se os familiares e até mesmo seus pais fossem também Brancos."
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OMG, como os surdos parecem racistas agora :X