26 de mai. de 2013

Uma reflexão sobre o "para"

Ultimamente, o "para" me tem feito um pouco pensar.

No início, eu a tinha como inútil: poderia simplesmente ser convertida em "a" a qualquer momento e em qualquer contexto e tudo se faria bem. Já inclusive disse Chico Buarque:

Corre e diz a ela que eu entrego os pontos.
(quando eu costumeiramente diria "diz pra ela")

Além disso, pra que ter uma preposição de duas sílabas (e quatro letras), quando a sua irmã e rival poderia tão simplesmente ter uma só (sílaba e letra)?

Mas aí alguém esses dias me disse algo como:

Chego ao vale amanhã às 11h.

E, ao tentar bater o uso de "ao" com o uso de "para", percebi que a frase não fechava:

Chego pro* vale amanhã às 11h.

Além disso, percebi que frequentemente se dizem (quando se está conversando em pé em grupo e se está trancando o caminho das pessoas, por exemplo) coisas como

Vamos chegar um pouco mais pro lado aqui.

, enquanto, nesse caso, o "a" não caberia. Por outro lado, outros verbos de significado próximo, como "ir" ou "vir" aceitariam intercambiavelmente ambas as preposições:

Vou/vim pro vale hoje às 11h.
Vou/vim ao vale hoje às 11h.

O para também ganha o valor de "motivo" (i.e., ganha o valor de "a troco de", para fazer um paralelo com o "a") em frases como:

Pra que tu tá usando cheat?

E, por estar relacionado a motivo, não só ouvimos os já esperados

Pra subir de nível mais rápido.

, como também nos acostumamos a ouvir

Porque eu quero subir de nível mais rápido.
(aliás, algo parecido acontece com o alemão também, em perguntas que iniciam com "Wozu" ou "Wofür": como a pergunta não sabe que preposição a resposta vai usar, frequentemente tanto faz qual das duas usar)

, como que confundindo o valor das duas preposições (aliás, me mostrando ainda mais o quanto o "para" seria desnecessário, substituível).

Aliás, é aí que surge mais um problema. Esses dias, perguntei a um amigo:

Vais fazer vestibular pra quê?
(notai que aqui a preposição "a" não cabe, também)

E, em vez de me dizer o curso para o qual se inscreveu no vestibular (real alvo da minha pergunta), entendeu que eu lhe dizia que não deveria fazer vestibular (como se eu lhe tivesse dito "por quê?").

O "para" é tão deturpado que podemos perguntar

O que foi que ele te pediu?

(sem preposição alguma)

E a resposta pode vir como

Ele me pediu pra sair daqui duma vez.

Ora... se ele pediu "pra sair", então seria natural que perguntássemos

Pro que foi que ele te pediu?

Da mesma forma que, para respostas como

Foi dali que ele saiu, óó...

, fazemos perguntas como

De onde foi que saiu isso?


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Bem... só mais uma reflexão de o quão não ortogonal a nossa língua tem se tornado. Nada de ruim, na real. É verdade que até que gosto do "para". Só o acho meio distrambelhado de vez em quando.

R$

3 comentários:

  1. Mais uma observação aleatória: "ir para" normalmente implica que o lugar é o teu "objetivo final" de movimento. E.g.: "Fui no/ao mercado" (= fui comprar coisas e depois vou embora) vs. "Fui para o mercado" (= fui e fiquei por lá).

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    1. AA... pois é. Nem tinha pensado nisso. Pra mim, parece que funciona quase sempre que não se tem um "hoje" ou outro advérbio de tempo junto.

      Por exemplo, "Vou pro vale hoje" e "Vou ao vale hoje" me parecem ter o mesmo sentido; mas se eu tivesse dito "Vou pro vale" (sem o hoje) eu realmente teria a sensação de que eu to me mudando pra lá =)

      (pior ainda se eu tivesse dito "Voí pro vale, então!" (onde "Voí" é a contração de "Vou ir"))

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  2. O que foi que ele te pediu?

    Pra sair daqui duma vez que foi que ele te pediu.

    Mas

    Pro que foi que ele te pediu?

    Pr[a] sair daqui duma vez que foi que ele te pediu.

    No final o efeito é o mesmo, mas são duas formas de se chegar lá.

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