7 de nov. de 2014

Novos Prefixos

Bom... como já sabeis pela minha última postagem, estou na Alemanha. O alemão tem essa característica curiosa comum nas línguas indo-européias de agrupar nomes (gerar o que eles chamam de "Komposita") pra gerar nomes maiores, com significados mais específicos/restritos.

Tem uma postagem de um certo blog que eu não me canso de linkar que explica a coisa toda de forma simples =)

Bom... o que já ando notando há mais ou menos 1 ano é sobre como o nosso português sempre exige raízes antigas quando o objetivo é criar "composições". Em vez de dizermos aguaplanar, temos de usar a palavra latina aqua, ou em vez de dizermos criançagosto temos de usar as raízes gregas pedo e filos, como se aguaplanar ou criançagosto soassem feios, desaculturados. E é justamente essa uma das grandes diferenças que eu vejo entre o português e o alemão: os alemães não têm essa "frescura"... e a criação de novos compostos é feita naturalmente através da simples concatenação de raízes (e a introdução de alguns "s" de vez em quando -- como em Immatrikulationsbescheinigung).

Pois bem... é necessário que eu faça uma ressalva. Uma coisa que o latim não tinha era a capacidade (que as línguas germânicas têm) de agregar nomes que de alguma forma contribuem para o significado final da composição (eu gosto de pensar que eles na verdade restringem o nome "principal" da composição). Exemplos do inglês: school teacher, whool carpet, ou mesmo [adaptado de algo que eu disse hoje] forest reservation hotel room smell. Em latim, todos esses nomes teriam de vir ou com uma terminação indicando que eles são adjetivos (como, em português, dizemos ano escolar), ou então declinados no genitivo (indicando posse, como em Philosophae Naturalis Principia Mathematica). Essa desabilidade "descendeu" para o português =/

É verdade, porém, que o latim apresentava uma relativamente alta produtividade na inclusão de raízes como prefixos em suas palavras. Exemplos como satisfazer (satis = bastante, em latim), santificar (derivado de sanctus + facere, i.e., santo + fazer), identificar (derivado de idem + facere, e o "ti" entrou na idade média) ou surpreender (super + prehendere) são o que eu mais passei a ver desde comecei a brincar com latim.

Com o interesse por latim e a minha volta pra Alemanha, passei a notar como os alemães não só abusam da capacidade mencionada dois parágrafos atrás, como também abusam de uma capacidade [a mencionada um parágrafo atrás] que eu poderia adotar no meu português -- que já de convencional não tem nada. Assim, "criei" [um deles já existia e é usado direto... eu só estou expandindo o seu uso xP] e tenho tentado usar consistentemente três prefixos [e a idéia é aumentar esse repertório ao longo do futuro próximo]:


cruxi: derivado do cross do inglês. Funciona para traduzir expressões como cross-linguistic, cross-cultural, ...

tele: significa longe, como em tele + visão, tele + grama, telé + grafo, etc. A idéia é expandir o seu uso para tele + perceber (perceber de longe), a + tele + caminhar (caminhar para longe), tele + conversar (conversar de longe), ...

urgeo: é uma tentativa (forte!) de tradução do prefixo not do alemão (que significa de emergência). Para eles, notruf é o telefone (ruf) de emergência (not), notaustieg é a descida (de um carro, ou um elevador) de emergência, notausgang é a saída de emergência, etc. A idéia é passar a chamar as coisas de urgeosaída, urgeoescada, urgeosituação, urgeotelefone. É verdade que desse último eu chego a estar um pouco orgulhoso da minha "criação".

Apesar de tudo, a regra de usar raízes "antigas" eu não consegui quebrar. Ainda me soaria meio esquisito dizer emergenciotelefone, ou cruzlingüístico... mas sei lá... como língua é meio que questão de moda, mei-que depende de quem quiser usar.

Aliás... é possível que minha próxima postagem tenha uma versão em inglês... conheci gente aqui que diz que se prestaria a usar o Google Translator pra ler (na real, talvez "dar uma olhada" fosse mais preciso, acho) meu blog, e, na descrença de que o Translator conseguirá traduzir minha escrita esdrúxula, achei melhor traduzir eu mesmo v_v

R$

4 comentários:

  1. Acho que pro "cross-" daria pra usar "trans-" (translingüístico, transcultural), ou talvez "inter-", mas não sei se o significado seria bem o mesmo.

    By the way, tu que gosta de coinages bizarras, pode querer adotar o meu "preterlóquio" para "sidenote" (vi no teu último post (que ainda não me parei a ler) que tu tava procurando tradução). Eu nunca mais usei a palavra, mas talvez tu simpatize com ela. :P Apesar de que "preterlóquio" parece mais "digression" ou "conversa paralela" do que "sidenote" (o que no fim das contas não é muito diferente).

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    1. HEUAHEUAHEUHA... Preterlóquio me soa ótimo! Se eu lembrar, vou tentar usar \o/

      Eu fiquei pensando agora em "cruxifábula" (fala cruzada -- já que "falar" vem de "fabulare"). A moral é que falta uma tradução boa pra "side". Poderia inventar um "colaterofábula" ou "colateronota" [que seria a tradução "direta"]... mas to gostando mais do preterlóquio (é mais "sonoro", mais "agradável aos ouvidos").

      Sim... eu ainda sonho com o dia em que terei criado uma palavra que entrou pro vocabulário padrão nativo... HUEAHEUAHEAU [tá, na real não xP]

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  2. Urgeossaída precisaria de dois ésses* para não ficar com som de zê.

    A menos que a proposta também inclua uma reforma ortográfica no som do ésse, o que já tornaria correto de carona o nome do nosso banco do RS, o Banrisul...

    *ésse = paroxítona terminada em E não teria acento... Mas no tema em que estamos quem s'importa com algumas dessas excentricidades/esdruxulidades? O negócio é continuar construpalavreando!

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    1. AAA... verdade. Eu gosto affuuuu da regra dos dois ésses (e também de pôr acento diferencial opcionalmente em palavras pra facilitar o entendimento). Na real, eu gosto de pensar que essa regra pode ser escrita assim "se um ésse aparece entre duas vogais, ele tem som de [z]". Pra impedir que um ésse apareça entre duas vogais, a gente insere mais um "s" depois dele (aí ambos os ésses ficam entre uma vogal e uma consoante).

      Então, sim, eu gosto de pensar que é "urgeossaída", "urgeossituação", ...

      Eu acho legal que essas regras de "consoante entre vogais muda de som" aparecem em várias línguas. Em inglês, as consoantes plosivas alveolares (t, d) viram um flap quando entre vogais (lê o "t" em "writer" e o "d" em "reader"). Mas eles não foram elegantes o suficiente pra criar exceções duplicando a consoante como a gente (e.g., "utter" também é pronunciada com um flap). Eu acho isso bem triste =S

      Enfim... sim... eu finalmente trocaria "construpalavrear" por (como eu sempre prefiro novos verbos na segunda, terceira, ou mesmo quarta conjugações) "construpalavrendo", "construpalavrindo" ou (meu preferido atualmente) "construpalavrondo" \o/

      [imagina! "Eu construpalavronho", "tu construpalavrões", ... HUEHAUEHAUEHA... "eu construpalavrus", "tu construpalavruseste", "ele construpalavrôs"... HUEHAUEHAUHE]

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