13 de out. de 2012

Pobre Português 2

Na minha última postagem eu reclamei sobre como o português parecia cada vez mais afundar. Não posso dizer que isso seja a verdade absoluta: essa é somente a minha percepção da coisa; é inegável, porém, que muitas das nossas "estruturas" estejam a se perder.

Essa postagem deve enumerar algumas das perdas que andei notando algum tempo atrás. Enquanto em geral quando escrevo tendo a tentar manter um padrão "um pouco mais alto" quanto à "norma culta" da língua, é verdade que umas delas [as perdas], como o leitor perceberá, eu até mesmo incorporo na minha escrita.

A primeira perda a comentar é a omissão da preposição em casos em que ela vem acompanhada do "que". Na fala, tudo bem: gaúchos não usam plural, paulistas não usam subjuntivo, pernambucanos não usam artigos (esse último não tá errado, mas convenhamos...); tudo ok! Mas é bem frequente encontrar frases escritas (na internet, especialmente) onde locuções como "sobre que", "de que", "com que", são substituídas pelo pobre "que". Em vez de dizerem "Essa é a pessoa com que eu mais simpatizo", por exemplo, dizem "Essa é a pessoa que eu mais simpatizo", removendo friamente a preposição. Problema é que o erro acaba saindo do ambiente informal e atingindo os textos "importantes" aqueles que os falam, os quais na grande maioria dos casos nenhuma ciência dele têm, ora têm de realizar.

Esse mau uso das preposições é um vício não necessariamente vinculado ao "que". Em geral, as pessoas não sabem usá-las direito. Boa parte da língua, inclusive, está em constante mudança por causa dessas anomalias. Um tempo atrás, lembro de ter visto uma propaganda do canal Futura em que as pessoas na rua eram abordadas com uma frase como

Eu preciso de sair cedo hoje.

e a pergunta "Essa frase está correta?". Parece ridículo, mas houve muita gente respondendo que estava correta, porque, sim, às vezes, o verbo "precisar" é transitivo indireto ("eu preciso de comida", por exemplo). Já achei inclusive mais de uma vez em artigo científico (não que leia muitos, mas, enfim) o uso do verbo "visar" com o sentido de objetivar sem a preposição que o deveria acompanhar: o "a". Ou seja, em vez de "visando a resolver esses problemas", por exemplo, o autor escreveu "visando resolver esses problemas". Talvez nesse caso esteja na hora de simplesmente mudar a língua e remover o "a".

Isso me leva ao segundo empobrecimento sobre que [viu? creio que a maioria dos leitores não teria colocado um "sobre" ali antes do "que" e acharia estar perfeitamente correto] eu gostaria de comentar: a crase [puta que pariu! Sério... ninguém sabe usar essa merda direito!].

Com o perdão das expressões que terminaram o meu último parágrafo, continuo com a afirmação de que ou a crase através do tempo vai passar a ser "correta" em casos extremamente não lógicos, ou ela vai cair (simplesmente pelo fato de que as pessoas não sabem usá-la). O motivo: novamente, as pessoas não entendem NADA [dupla negação?] sobre regência verbal! Chega a dar um dó perceber escritos como "Tópicos relacionados à "Zé Pedro"" [acabei de achar esse no google agora há pouco].

Ainda nas preposições, uma última perda: o caso comitativo! Sério... não é engraçado que com o tempo somente o "comigo" e o "contigo" tenham se mantido. Quem ainda fala "conosco" [virou "com a gente"] ou, pior, "convosco" [virou "com vocês"]? E o "consigo"? Se no Brasil esse último se manteve só em casos em que se denota reflexividade da terceira pessoa, em Portugal ele parece em constante uso em regiões em que se usa "você". Assim, chega a ser engraçado ver o comentarista dizendo "Qual é que é para si [...]" (com o sentido de "Qual é que é para você") no seguinte vídeo: (ok ok... "para si" não é "consigo", mas é óbvio que o "si" permanece como caso oblíquo no português português)



Saindo das preposições, pulo agora para os verbos. Alguns parágrafos atrás eu disse que tudo bem falar errado; a verdade é que eu realmente fico agoniado quando ouço paulistas não usando o subjuntivo. Lembro de uma vez ter assistido ao Casos de Família (naquele tempo em que [ó denovo! Usaria o leitor o "em" ali antes do que?] tinha a Regina Volpato) e ter visto uma mulher (paulista) falando "ela quer que eu deixo ele ir todo dia na casa dela" (algo assim). Sério... que tenso!

Mas dos paulistas eu não posso falar muito: nós gaúchos basicamente eliminamos o futuro do presente. Em vez de dizer "irei" ou "farei", nos deixamos influenciar pelos falantes do castelhano das proximidades das nossas fronteiras e usamos o verbo "ir" como auxiliar de futuro. Enquanto eles dizem "me voy a caer", dizemos "vou cair", e tudo fica igual. Ok ok... não enxergo o nosso caso como uma perda, já que aceitamos perfeitamente o futuro do presente como possível variação (e não estamos cometendo nenhum pecado na língua -- com discutíveis exceções: alguns leitores dirão que "eu vou ir" seria errado), mas a verdade é que essa variação cada vez mais se distancia do usual.


Seguindo com os regionalismos, uma terceira perda, na minha opinião, é o uso do você. Ela é parte de o que eu gosto de chamar de "terceira-pessoalização" dos nossos verbos. Outra parte desse "fenômeno" é o uso do "a gente". Através deles, as nossas conjugações ficam (usando o verbo cantar como exemplo):

Eu canto
Você canta
Ele canta
A gente canta
Vocês cantam
Eles cantam

E através disso tudo fica conjugado na terceira pessoa (fora o "eu", que de tanto que é usado pelos falantes nativos através dos tempos acho que seria bem difícil de se estragar). Sério... isso não seria um problema (afinal, é só mais uma forma de dizer a mesma coisa) se não fossem dois fatos: (1) as pessoas têm desaprendido como se conjuga das outras formas; e (2) aos falantes não nativos acaba sendo ensinada somente a forma mais fácil.

Eu creio já ter escrito (embora não tenha conseguido encontrar) sobre quando eu fui tentar ensinar a meu professor como conjugar um verbo na primeira pessoa do singular e os outros brasileiros que comigo estavam me cortaram dizendo que ele deveria usar "a gente" no lugar de "nós" e conjugar tudo na terceira pessoa. Sério... desleixo básico da língua D=

Pra terminar com os verbos, a última perda é a mais óbvia: o completo esquecimento do Pretérito Mais-Que-Perfeito. Esse, certamente, não tem mais volta. Está fadado ao desuso. Não há o que fazer: não existe medida forte o suficiente pra trazê-lo de volta. Infelizmente, já que ele era BEM mais eficiente que a versão atual dele: a construção "tinha/havia + particípio".

Mais uma coisa que o falante nativo da nossa língua não sabe usar são aquelas tais de "próclise", "mesóclise" e "ênclise". Pra nós brasileiros, no fim das contas, tudo virou próclise (dá pra usar em tudo que é lugar mesmo -- diferente das outras duas), e essa é uma daquelas perdas que eu simplesmente não consigo não incorporar a esse blog.

Falando em "perdas que eu incorporei a esse blog", outra perda é a não-diferenciação dos pronomes demonstrativos "esse" e "este". Enquanto eu sei qual deveria ser a regra (ou ao menos eu creio saber), eu simplesmente não consegui ainda acostumar a lembrar de me policiar sobre o assunto. Assim, bem como pra todo brasileiro, pra mim é tudo a mesma coisa.

E isso finaliza a minha lista (que de forma alguma tenta ser exaustiva) de empobrecimentos do nosso português. Infelizmente, provavelmente haja bem mais v_v

R$

7 comentários:

  1. No caso do "consigo", o português de Portugal é que está doido; se/si/consigo são pronomes reflexivos mesmo, ou pelo menos deveriam ser...

    Quanto ao "empobrecimento", eu escrevi um post sobre isso há um tempo atrás (oops), mas acho que já o leste...

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    1. HEUAHEUAHEUAHEUA... elri do "oops".

      Eu não tinha lido ainda; tinha só aberto pra ler depois. Agora já li. Melhor comentar lá =)

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    2. Sobre o "consigo":

      Na escola a gente estudo que os pronomes do caso oblíquo na terceira pessoa são "se, si, consigo, lhe". Tentando não ser "biased" pelo modo como a gente tá acostumado a usar a língua, eu não vejo por que o "si" (e o "consigo" -- eu tava tentando achar o video onde eu ouvi o cara dizendo "consigo" D=) teria de ser reflexivo.


      Por outro lado... agora estava pensando. Se uma mãe pode dizer pra o filho

      "Vou te pôr na cama"

      , por que pra mim soa tão esquisito ouvir "Vou se pôr na cama", quando todo mundo usa "você"? Talvez eles sejam reflexivos mesmo v_V

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    3. São reflexivos sim, segundo consta na minha lista de fatos. Pelo menos eu tenho certeza absoluta de que o pronome equivalente em latim é puramente reflexivo (o que não implica necessariamente nada para o português, mas acho que em português também é :P), e inclusive em latim ele não tem nominativo (porque não faz sentido usar um pronome reflexivo como sujeito). (By the way, a lista completa de pronomes oblíquos de terceira pessoa é "o(s), a(s), lhe(s), se, si, consigo".)

      Acho que em alemão tem um pronome "sich", que funciona do mesmo jeito que o "si" em português. (Acho que tem um pronome similar em quase todas as línguas indo-européias, na verdade...)

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    4. (Compare "ela a viu" vs. "ela se viu"...)

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    5. Sim sim... com esse último exemplo ficou evidente \o/

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  2. P.S.: Iracema é bom como a asa da graúna. :P

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