24 de ago. de 2013

Sobre Chico Buarque: Construção

[Essa é uma postagem inútil. No máximo talvez sirva pra instigar-vos a ouvir Chico Buarque. No mais, nem leiais se estiver chata demais]

Um tempo atrás eu andei ouvindo Chico Buarque. Digeri sistematicamente 6 discos dele: Chico Buarque de Hollanda I, II, III e IV, Ópera do Malandro e Construção [as capas dos discos ilustram essa publicação].


"Digerir sistematicamente" pode ter soado como uma expressão "pomposa", mas o que eu quis dizer foi que eu ouvi com bastante atenção repetidas vezes (20x, 30x ou até mais... nem sei) cada um daqueles discos, e fiz o esforço de inclusive decorar boa parte da letra de cada uma de suas músicas.

O leitor que não me conhece talvez ache isso (que acabei de dizer) estranho [ou talvez não espere isso de mim, já que até hoje acho que nunca falei sobre isso], mas esse é o meu comportamento normal ao tratar de música. Escolho um disco para ouvir e o "digiro" (esse é o verbo que eu sempre uso) até conseguir extrair o suficiente pra me sentir bom conhecedor daquela obra.

Bem... como ía dizendo, um tempo atrás [na verdade, boa parte do ano passado e do início desse ano] eu andei ouvindo muito Chico Buarque. É claro que no meio também ouvi a trilha dos Final Fantasy IV e V, e um bom tanto de Chrono Cross, já que afinal música de jogo é o que mesmo me interessa; mas dei grande atenção à música brasileira (acho que numa tentativa de me reaproximar do Brasil, do qual estava longe naquele tempo).

Mas o título dessa postagem não é sobre todos os álbums do Chico Buarque, mas sobre um deles somente, e mais especificamente, na verdade, sobre uma única música contida nele: Construção. Foi o quinto álbum que digeri e tive muito prazer em ouvi-lo, normalmente nas minhas idas e vindas de ônibus a Porto Alegre (quando mais o ouvi já estava aqui no Brasil). Gostaria, porém, de fazer alguns comentários.

Chico Buarque pra mim sempre foi sinônimo de letras absurdamente bem pensadas. Letras como a de Pedro Pedreiro ou Rita (ou Homenagem ao Malandro, a primeira sua que ouvi) pra mim foram os grandes motivos de eu tê-lo começado a ouvir, pra falar a verdade. Se o segundo disco foi menos "samba" (como o de Juca ou o de Tem Mais Samba, por exemplo), o seu terceiro disco compensa com a minha música preferida Januária, e outras como Roda Viva, O Velho, Sem Fantasia........ táá, já deu pra perceber qual meu disco preferido.

Os arranjos de suas músicas, também, não consigo deixar de elogiar. Tudo muito bem pensado, com um solinho de flauta aqui, um trombone ali... o cara é um gênio! E o que mais me assusta é que o cara chegava a lançar mais do que um disco por ano. Como é que consegue? O_O

Enfim... mas aí eu cheguei ao Construção, sobre o qual eu já tinha acumulado uma expectativa gigantesca através de conversas com amigos meus que do Chico só conheciam esse álbum ou que o tinham como seu preferido. A primeira música me agrada affuuuu* e foi durante muito tempo a minha preferida do álbum, graças às tantas rimas com verbos na terceira conjugação (ir) que tem (eu tive meio paranóico com esses verbos durante boa parte do início do ano). Depois vem Cotidiano, numa versão tensa e "progressiva" (a orquestra vai crescendo aos bem poucos ao longo da música) e que parece tentar passar ares de "ruindade" na rotina do narrador, diferentemente da versão do Seu Jorge v_V

A terceira música foi a que menos me agradou, apesar da cuíca divertida ao longo de toda ela... e daí chegamos à Construção, em que eu então era obrigado a baixar o volume pra não estourar meus ouvidos (a música é muito barulhenta em algumas partes). Como não dava pra digerir ouvindo o disco inteiro [era muito grande e complexa], eu acabei tirando um tempo pra ouvir somente ela, em loop, durante várias viagens de bus.

Mas antes de continuar comentando sobre a música em si, só gostaria de continuar com o meu passeio pelo álbum. O que vem a seguir, ou seja, Cordão, foi uma daquelas músicas que, se inicialmente achei bastante chatas, ao longo do tempo aprendi a apreciar. Me agradam nessa música também as rimas de verbos em segunda (er) e terceira conjugação (ir), e o seu finzinho, que sempre fazia ficar tentando gerar novas frases começando com "enquanto eu puder cantar ...".

Prosseguindo, ao chegar em Olha Maria eu me obrigava a aumentar o volume de volta (especialmente porque a música coincidia com o momento em que o ônibus estava passando pelas pontes do Guaíba, e o barulho do vento + motor do ônibus causavam um ruído bastante desagradável). Olha Maria pra mim é boa por seu arranjo, e não por sua letra, o que a torna parecida com Construção, mas eu chego lá xP

As duas músicas posteriores me agradavam como um todo: a letra era legal e o ritmo "cativante". Eu não sei o contexto em que o Chico escreveu Samba de Orly, mas se eu tivesse que chutar diria que foi em tempo de exílio político.

Em compensação, Minha História era aquela música que eu sempre tinha vontade de pular. Simplesmente não me agradava. Só tinha uma coisa que a salvava: o fato de ela emendar perfeitamente com Acalanto, que encerra o disco com chave de ouro.

...

Agora que eu já cumpri com minha necessidade de passear pelo disco, posso comentar sobre a música Construção sem peso na consciência. Mas primeiro:



Ao ouvir pelas primeiras vezes, achei excelente: um amigo me tinha dito que ele usava as mesmas palavras em outra ordem e gerava uma nova música, e tomei isso por verdade. Ao longo do tempo, percebi algumas irregularidades, como a existência de um "pródigo" na segunda estrofe que não existia na primeira, ou o fato de que nem tudo rimava lá muito bem.

Isso fez a minha opinião sobre a música cair lá pra baixo: grandes bosta usar algumas palavras idênticas. Parecia mais preguiça da parte do autor do que uma obra de "arte". E a minha conclusão foi: Construção é overrated. Um amigo até argumentou que todos os versos terminam em proparoxítona (o que é tri), mas não achei tão grandes coisas.

Mas daí eu comecei a ouvi-la em loop, como disse... e notei algumas coisas legais (na real, algumas eram óbvias e eu já tinha notado antes, mas é legal dizer). Acabei concluindo que a música é boa por seu arranjo, e não pela sua letra (e é isso que a torna similar a Olha Maria).

Bem, como eu já disse, a música vai crescendo, crescendo, crescendo, até estourar no que então vira uma versão mais curta de Deus lhe Pague. Pelo que dá pra entender, a primeira estrofe conta a história de um homem "bom", que sai pra trabalhar na construção, pesadamente. Ele bebeu, soluçou, se embriagou e, finalmente, "tropeçou no céu como se fosse um bêbado" [1min26] (e aqui entram as cordas pela primeira vez na música, me dando um ar de "vazio", bem quando ele está flutuando "no ar como se fosse um pássaro"). Ele se espatifa [1min40] (ar cordas descem tristemente) e morre na contramão atrapalhando o tráfego: as "buzinas" surgem [1min56] em dissonantes, barulhentamente [detalhe que "barulhento" é mais um particípio presente que concorda em gênero], mas sem perder a música por trás do tudo.

O ar de 007 do fim delas [2min06] marca o início de uma nova estrofe, dessa vez de um bêbado, egoísta ["amou daquela vez como se fosse o último"] que trái a mulher ["beijou sua mulher como se fosse a única"] e que não gosta dos filhos. Ele já chega na construção bêbado ["atravessou a rua com seu passo bêbado", etc...], e as cordas e os bocais já deixam toda uma tensão no ar. Quando a letra fala em "tráfego" denovo [2min52], novas "buzinas" agora surgem (não mais os bocais, mas as vozes em dissonantes incômodas também), que logo somem para a continuação da música.

A tensão aumenta até que finalmente ele também "tropeçou no céu como se ouvisse música"... e a tensão toda que os bocais produziam em notas longas se dissipa em uma melodia e um ritmo pensado [3min29].

Muita coisa acontece na música até o início da nova estrofe, mas eu não consigo ver grandes lógicas com a letra. Na terceira estrofe, a música cresce e se aviolenta, mas termina similar a como ela fica aos 3min56, quando o homem da segunda estrofe "morreu na contramão atrapalhando o público". É como se essa terceira estrofe fosse desimportante, ou como se ela tivesse sido posta na música depois de já pronta... ou algo assim. Sei lá...

Por fim, a música cresce, cresce, cresce, e "explode" numa segunda versão de Deus lhe Pague, dessa vez não tão "tensa" e "violenta", mas muito mais cheia de "melodia" e um pouco mais devagar.

[Quando a música termina, já estou esperando o início da outra, no tom certinho e tudo mais]

Era isso. Só queria comentar sobre esses detalhes da música que achei interessantes.

*: fui questionado sobre esse uso da palavra affuuuu anteontem e fiquei curioso sobre se ele é "correto" pra todos os que me ledes. É?

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